Agente penitenciário escreve livro inspirado em rap dos Racionais MC’s

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Certamente você já ouviu falar muito sobre os problemas do sistema carcerário pelas penitenciárias do país, mas será que conhece a fundo essa realidade? O agente de segurança penitenciária Anderson Gimenes, de 30 anos, sim, e com propriedade. Inspirado no rap “Diário de Um Detento”, do grupo Racionais MC’s, o prudentino, que atua há 10 anos na área, resolveu escrever um livro chamado “Diário de um Agente de Segurança Penitenciária” (Editora Multifoco) com os objetivos de derrubar mitos e esclarecer verdades a respeito do assunto.

 

Gimenes fará o lançamento de sua obra literária no próximo dia 15, às 20h, no Centro Cultural Matarazzo, localizado na Vila Marcondes, em Presidente Prudente, porém, os exemplares já estão à venda desde o dia 1º de dezembro. O livro relata oito anos da história do agente de segurança penitenciária entre as celas do Centro de Detenção Provisória (CDP) de Mauá, na Grande São Paulo.

 

“O livro conta a minha história como profissional com uma pitada da minha vida pessoal, já que precisei largar tudo e todos, em Presidente Prudente, cidade em que eu morava, por questões financeiras, atrás de um concurso público. Eu fazia uma faculdade de licenciatura em geografia, fui professor desde os 20 anos e abandonei tudo para ser um profissional que eu não desejei ser. Só  trabalhar como agente penitenciário não me ocupava, então, resolvi usar o meu conhecimento de caso para mostrar à sociedade a verdadeira realidade do sistema carcerário. Escrevi a minha história, sem aumentos e sem diminuições, somente aquilo que eu vivi dia a dia”, contou ao G1.

 

Confira abaixo trechos do livro “Diário de um Agente de Segurança Penitenciária”:

 

“Um dia qualquer, em serviço como Agente de Segurança Penitenciária no Centro de Detenção Provisória de Mauá, mesmo sem vontade, devido à situação que aquele dia de trabalho me proporcionou, tive que ouvir um dos reclusos cantarolar a música ‘Diário de um Detento’ enquanto fazia uma limpeza da radial de seu raio. Diante desta cena, parei e comecei a observar atenciosamente e, após ouvir os tais versos cantarolados, pensei comigo mesmo: ‘Nesta música o autor relata como é viver por trás das grades de uma cadeia, descrevendo ali um ambiente sanguinário e muito sofrimento, em que ele parece ser a pessoa mais sofrida deste mundo. Que palhaçada, esta realidade descrita aqui hoje eu não vejo! Meu Deus, tanta gente sofrendo neste mundo, sendo que, alguns deste que hoje sofrem, sofrem as consequências de crimes cometidos por indivíduos tais como ele. E este bonitão aí, cantarolando esta música e se sentindo o ser humano mais injustiçado deste mundo. Sendo que neste exato momento muitas mães devem estar chorando a morte de um de seus filhos, que veio a ser assassinado, durante um assalto. Acho que vou também me relatar como um injustiçado escrevendo uma música, descrevendo como é estar dentro de uma cadeia, só que em uma versão proveniente das minhas vivências, ocorridas aqui, do outro lado das grades.

 

De início foi apenas um pensamento, que se tornou uma brincadeira, quando me objetivei tal como o MC que expôs dentro de versos musicais a realidade de um Recluso do Sistema Prisional, expor a minha realidade como Agente de Segurança Penitenciária, mas divergindo-me na maneira de produzi-la, pois quis produzir uma música, em tom de brincadeira, para utilizá-la na produção de risos entre os meus companheiros de trabalho.

 

Nesta época, havia eu adquirido ainda pouca experiência profissional, ao contabilizar o tal de horas trabalhadas, mas ao escrever os versos de uma música, acabei descobrindo que aqueles poucos versos seriam insuficientes para suprir a descrição de todas as minhas novas vivências”.

 

‘Um ídolo para mim’

 

Por entre as 286 páginas do livro, o autor aborda em capítulos assuntos como assassinatos, agressões, tentativas de fuga e homicídio, entre outros assuntos que o ambiente de trabalho lhe proporcionou vivenciar.

 

“Levei oito anos para concluir este trabalho porque precisava de ocasiões e situações ocorridas do dia a dia para compor os capítulos e mostrar para a sociedade a realidade que a gente vive. Desde a vez em que eu fui agredido até a vez que tive de agredir também e quando tentaram me matar em uma balada. Nesta obra, eu conto tudo o que essa profissão me proporcionou”, ressaltou Gimenes, que hoje trabalha na Penitenciária de Irapuru, na região de Presidente Prudente.

 

Entre os assuntos abordados, o assassinato do diretor geral da unidade prisional, Wellington Rodrigo Segura, em janeiro de 2007, foi o fato que mais marcou o prudentino, já que tinha o conterrâneo como um ídolo e exemplo a ser seguido.

 

“A situação que mais me marcou foi a morte do Wellington, porque ele era como um ídolo para mim. Era um homem que lutava para melhorar o sistema penitenciário e fazer daquele local um lugar melhor para todo mundo, funcionários ou detentos”, lembrou ao G1.

 

Após dez anos na profissão, Gimenes afirma que o sistema carcerário é falho e que não colabora para a reeducação dos sentenciados, já que os presos não recebem do Estado todos os benefícios que, por lei, deveriam ter e são obrigados a dividir celas superlotadas com outros detentos.

 

‘Aglomerado de pessoas’

 

“Avalio o sistema carcerário como um aglomerado de pessoas que foram julgadas pela sociedade como impróprias ao convívio social, só que eu, como profissional, sou obrigado a guardar todas elas sem as condições ideais de trabalho. Hoje, a unidade em que eu trabalho tem capacidade para cerca de 800 a 900 presos mas, nós temos cerca de 2 mil. Em uma cela que é para 12 presos eu tenho até 40 dentro. Presos que não recebem do Estado tudo aquilo que deveriam receber”, ressaltou ao G1.

 

“Às vezes você chega no seu dia de trabalho, para realizar uma blitz, e se depara com aquelas celas cheias de coisas, que você não tem nem tempo de poder vistoriar tudo que ali possui. Presos fazendo coisas ilegais, fazendo pinga dentro da cadeia com arroz e pão podre, então, tudo isso nos atrapalha muito e o Estado vai guardando tudo ali, e para a sociedade, que não vive esta realidade, parece que está tudo lindo e maravilhoso, mas não é assim”, completou Gimenes.

 

Veja a seguir outros trechos do livro escrito por Anderson Gimenes:

 

“Ao subir para os pátios de sol, todos os detentos mostravam muito ódio em seus olhares, alguns faziam ameaças, mas não aconteceu nada. Na descida dos presos aos raios no horário de almoço, alguns começaram a enrolar para descer as escadarias ao notar nossa tensão. Sendo assim, eu disse em voz alta a eles:

 

– Detentos, vão liberando o acesso aí! – Pois se desce um raio de cada vez e enquanto não se fecha o portão de acesso a um raio, não se pode abrir outro acesso na mesma coluna do prédio. Nisto um dos presos que ainda se encontrava no pátio, zombando da minha cara, disse:

 

– O sinhozinho tá nervosinho é? Cuidado com ele hein, pessoal, olha a faca! – Referindo-se ao personagem de um programa de comédia da TV. E ouvi também ele dizendo a outro detento:

 

– Isto pra mim é medo e nessa situação porque eles estão do outro lado das grades, se estivessem aqui dentro cara a cara conosco, estariam se cagando nas calças e gritando é de medo, não assim pagando de puliça! – Ouvindo isso o Nandão me disse:

 

– Anderson, isso é passível de castigo é desacato, vamos comunicá-lo e colocar ele no RCD [Regime de Cela Disciplinar].

 

Eu respondi:

 

– Deixa pra lá, não é para tanto.

 

Encerrada a descida dos presos aos raios, fomos almoçar. Já no horário de sol da tarde, o mesmo detento a todo o momento dava risadas e zombava de nós, dando a entender que nosso reforço na segurança era por medo. Então concordei com o Nandão e decidi comunicar o evento. Fomos até a vigilância, fizemos o Comunicado de Evento de Infração e, acompanhados do funcionário Tom (um funcionário mais experiente), seguimos até seu raio de origem, retiramos ele da cela e o encaminhamos ao RCD. Chegando lá, perguntei pra ele:

 

– O que você quis dizer com ‘tá nervosinho, olha a faca’?

 

E ele respondeu:

 

– Eu não quis dizer nada não sinhô.

 

Respondi então a ele:

 

– Então você está me chamando de surdo?

 

– Sinhô, eu não disse nada, mas já que o sinhô tá falando que eu disse, imagine o que o sinhô quiser, pois eu não disse nada. – E deu risada.

 

Vendo isso, Nandão começou a agredi-lo com socos no estômago e Tom nas costas, e ao assistir aquela cena então pensei: ‘Mas quando ele disse tal frase, foi em resposta ao que eu disse? Ele referiu-se a mim? Por que eu não consigo bater nele?’. Em fração de segundos, outro pensamento me veio: ‘Eu não estou errado. Estou duvidando de mim mesmo, sendo que na verdade ele é um covarde, que não está assumindo seus atos’. De repente, um grande ódio surgiu e comecei a agredi-lo com socos no rosto e após ter ouvido ao fundo o chefe Dipirona gritando para que parasse, como em um passe de mágica, minha lucidez retornou e consegui parar de agredi-lo.

 

Diante disto, peguei uma alimentação, coloquei nas mãos do detento, o tranquei na cela do RCD e após vê-lo na escuridão da cela, disse:

 

– Respeito é bom e todo mundo gosta, se não tivesse zombado da minha cara daquele jeito, nesse momento você não estaria aqui. – Tranquei a porta da radial e me dirigi ao setor de vigilância, lá o chefe Dipirona me disse:

 

– Anderson, eu posso dar-lhe um conselho?

 

– Claro, chefe.

 

– Não estou criticando sua atitude, pois o errado sou eu de não ter lhe dado este conselho antes. O preso sabe muito bem o porquê de ele ter apanhado, ele sabe que estava errado e merecido da situação, mas você deve saber que nunca se deve bater no rosto de um detento, pois ele nunca se esquecerá do seu rosto e, se um dia vier a te encontrar, vai querer se vingar e não apenas com socos e sim com tiros.

 

Já era quase o fim do plantão, fiquei muito aflito com o que o chefe disse e aqueles poucos minutos que restavam, pareceram horas.

 

Fui até o hotel, peguei minha mala e durante nove horas de viagem tentei descobrir de onde surgiu tanto ódio em mim. A viagem chegou ao fim e mesmo após horas em pensamento não encontrei a resposta”.

 

Fonte: G1

 

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