Artigo: Catarse funcional, causa e efeito

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O Sistema Prisional Paulista passa por uma crise de proporções inaceitáveis. Começa pelo déficit de vagas com o absurdo de vermos Unidades Prisionais com o dobro e até mesmo o triplo da capacidade instalada, o que gera incontáveis problemas estruturais, de material, de indisciplina, de espaço adequado, etc. Passa por leis e regulamentos extremamente ?liberais? que enfocam a ?reabilitação? em detrimento do princípio de punição e reparação do ato praticado (crime). Mistura-se com a política de redução (estado mínimo) drástica de profissionais na lida direta com a segurança pública, falta de equipamentos de segurança, treinamentos especializados e falta de poder de autoridade que favorecem os criminosos e transformam os poucos servidores em ?moedas de troca? em rebeliões e motins cada vez mais comuns e ?normais? a ponto de, hoje, a sociedade ver com ?naturalidade? dez, vinte, trinta reféns por horas nas mãos dos rebelados como um espetáculo televisivo.
Deságua na força e organização das facções criminosas, hoje mais de dez só no Estado de São Paulo, que praticam toda sorte de abusos e extorções aos presos e familiares de menor poder de liderança ou influência dentro do sistema a ponto de realizarem rebeliões articuladas e simultâneas em várias unidades prisionais ao mesmo tempo, articularem atentados contra a sociedade e servidores ligados à Segurança Pública, arquitetarem crimes dos mais diversos de dentro dos presídios, aliciarem mulheres para prática de crimes e prostituição dentro e fora dos presídios, determinarem a execução de juízes, promotores, diretores e servidores, zombarem do poder constituído.
No meio desse caos está o Agente de Segurança Penitenciária, profissional ?treinado? para manter ?a ordem, a segurança, a vigilância, a disciplina e a movimentação interna dos presos?.
Como é possível cumprir a missão num presídio onde as facções criminosas negociam regalias diuturnamente com ?autoridades? constituídas e nomeadas pelo governo? Como defender a sociedade, se nem mesmo sua segurança está garantida? Se não tem um simples rádio de comunicação interna?
Hoje, no Estado de São Paulo, existem 144 Unidades Prisionais cuja capacidade instalada é de aproximadamente noventa mil vagas, porém, existem mais de cento e trinta mil presos, ou seja, um déficit em torno de 40% de vagas.
Para esse batalhão de presos há 22 mil Agentes de Segurança Penitenciária, sendo que um terço, ou seja, sete mil Agentes estão desviados de função, exercendo serviços burocráticos, de motoristas, nas VECs (Vara de Execuções Criminais) ou fazendo escoltas externas, serviço este, até 2001, de responsabilidade da Polícia Militar e, após, função destinada aos AEVP (Agentes de Escolta e Vigilância Penitenciária), cargo criado e divulgado com pompa pelo governo como se fosse a panacéia da solução dos problemas de escolta de presos e guarda das muralhas dos presídios.

Como se pode ver no Artigo: ?O ovo da serpente?, de autoria do Juiz de Direito, Edmar de Oliveira Ciciliatti, os presos, aproveitando-se da desestruturação do sistema, a falta de uma efetiva vigilância e controle, das brechas legais e das facilidades em se articularem, se organizaram em facções criminosas, aparentemente, com fins de defesa dos ?oprimidos?.
Faziam rebeliões articuladas em que os líderes de organizações de direitos humanos, pastorais carcerárias, organizações não-governamentais e até políticos ? deputados estaduais e federais ? saiam em defesa dos presos rebelados e assim, as facções se multiplicaram, hoje, são mais de dez, espalhadas pelo estado.
Esse processo de maturação do crime organizado que, segundo estudiosos, iniciou-se em 1993, se concretizou em 2001, quando uma das facções desencadeou uma mega-rebelião que atingiu 19 presídios no estado.
A categoria gritava por socorro, solicitava atenção do estado e da sociedade, denunciava os problemas e a articulação do crime organizado, tudo em vão, ao contrário, as autoridades, inicialmente negavam a existência de facções e quando admitiram, passaram a dizer que haviam acabado com as mesmas.
O resultado é de conhecimento público. A maior demonstração de força do crime organizado dentro das unidades prisionais ocorreu a partir do dia 10.05.2006, Dia das Mães, onde muitas mães de policiais militares e civis, agentes de segurança penitenciária e cidadãos paulistas choraram a perda de seus entes queridos, sem contar o prejuízo financeiro, num dos maiores ataques do crime à sociedade já visto na história do Brasil.
E, o que foi feito desde que a sociedade sentiu na própria pele as dores que os Agentes a tempo já sentiam e denunciavam? Quais medidas foram desencadeadas pelas autoridades para dar fim ao poder das facções criminosas, controlar a disciplina e impor o poder coercitivo do Estado?
Já se passou um ano, nesse período, perdemos 23 companheiros de trabalho, a categoria vem sendo aterrorizada dentro e fora dos presídios.
É como se as vidas perdidas, os sofrimentos físicos e emocionais, tanto dos que sofrem diretamente os ataques como daqueles que se sentem como a próxima vítima, fossem comuns e normais e que fazem parte do processo.
De 1994 para cá, os Servidores Penitenciários, a exemplo dos demais servidores, passaram por um acachapante desmonte estrutural e financeiro, evidenciando que a política ?de estado mínimo? é, talvez, mais ou tão nefasta quanto a ação do crime organizado.
Nesse período, além da redução drástica de servidores nos postos de trabalho, da falta de equipamentos de trabalho, tivemos um arrocho salarial absurdo com a política de ?gratificações?, ?adicionais? e ?bônus? que não se incorporam para aposentadoria e são descontados quando o servidor se afasta do trabalho por motivos de saúde. Desse modo, hoje, muitos agentes que passaram por rebeliões ou tiveram algum trauma por conta das ameaças são obrigados pela necessidade a trabalharem doentes para não deixar suas famílias passarem dificuldades.
Se não bastassem os problemas já enumerados, há ainda, a questão da assistência à saúde cujo órgão responsável é o Iamspe (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual), que não cumpre a sua missão devido à falta de recursos e a falta de política de saúde voltada ao público alvo, os servidores, o que obriga muitos a pagarem planos de saúde particulares, mesmo sem terem condições: vide artigo:

Iamspe ? Porque outro plano de saúde?
Fica evidente que as causas e efeitos dos problemas técnicos, organizacionais e estruturais do sistema prisional, levados a cabo por longo período de desmonte, desvalorização e, principalmente, de uma política equivocada de ?redução do estado? levaram a categoria a ser refém do sistema e se acuar ao invés de cumprir sua missão.
Há saída. É possível mudar esse quadro. Porém, a categoria, a sociedade organizada e os homens e mulheres de bem deste estado terão que sair dessa CATARSE, dessa LETARGIA, comum em sociedades que não tem senso político dos problemas que afligem o dia-a-dia social.
Alguém errou e está errando na condução dos destinos deste país, cabe a cada e a todo cidadão tomar a atitude de avaliar se continua como está ou se partimos para uma ação na busca da mudança.
Não basta reclamar, temos que agir, que exigir, que lutar ou continuarmos reféns de nossa CATARSE e LETARGIA.

(*) Rozalvo José da Silva
Agente de Segurança Penitenciária
Secretário Geral do Sindasp (Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária do Estado de São Paulo)

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