Mudança na cadeia
Número diz respeito a comparação entre os três primeiros meses de 2015 e igual período de 2014
Após a instalação de um scanner corporal, a administração do Presídio Central de Porto Alegre apreendeu 300% a mais de drogas nos três primeiros meses de 2015 em comparação com igual período do ano passado. O aparelho, comprado por R$ 494 mil e instalado na entrada da prisão, tem provocado mudanças significativas naquela que é considerada uma das piores cadeias do país. O scanner — adquirido pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e em uso desde janeiro — é responsável pela redução na circulação de drogas dentro das galerias e pelo fim da revista íntima nos visitantes.
Essas apreensões de entorpecentes consideram duas vias de entrada: com o visitante e por arremessos pelo muro. O exemplo mais significativo é o da maconha, cujas apreensões saltaram de 1.305,9g nos primeiros três meses de 2014 para 5.742,4g em igual período deste ano. Em 2015, as apreensões de drogas arremessadas por cima do muro do Central aumentaram — foram 4.196,9g de maconha, 287g de crack e 51g de cocaína.
No ano passado, quando não havia o scanner, a maior parte dos entorpecentes encontrados era contrabandeada por visitantes. A migração — das visitas para os arremessos — pode ser explicada pelo fato de boa parte das pessoas terem desistido de tentar ingressar no local com drogas, porque esbarram na eficiência do equipamento.
— O preço do scanner é um valor irrisório frente ao que estamos tratando. Cada cadeia com mais de cem presos deveria ter um equipamento desses. No Central é mais difícil devido ao tamanho, mas em cadeias médias a ausência de drogas produz efeito muito interessante, pois o preso começa procurar estudo e trabalho — explica o juiz Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Criminais (Vec) de Porto Alegre.
Fim de um vexame
O uso de scanner no Central foi comemorado pelos familiares de apenados. Um dos grandes benefícios é o fim da vexatória revista íntima. Nesse procedimento, os visitantes tinham de ficar nus e realizar agachamentos de frente e de costas para possibilitar uma inspeção visual.
— Era muito vexatório e humilhante — define uma mulher que visita o filho.
O que os visitantes não comemoram, porém, é o tempo gasto nas revistas com o novo sistema.
— Estamos levando bem mais tempo para entrar — queixa-se ela.
Outra mudança foi notada por ela, que há quatro anos realiza visitas no presídio:
— Dá para ver que estão usando muito menos drogas. Graças a Deus — comemora.
Facções de olho no lucro
Mesmo com as apreensões, uma boa quantidade de drogas chega ao interior da prisão. Em dezembro passado, os próprios presos da primeira galeria do Pavilhão B, ocupada por integrantes da facção Os Abertos, filmaram com um celular uma festa na qual eles faziam fila para cheirar cocaína.
Nessa e nas demais galerias controladas por facções, as organizações criminosas obtém altos lucros. A exploração de subcantinas — os líderes adquirem produtos na cantina central do presídio e os revendem com uma boa elevação de preço, nas galerias —, segurança e a venda de drogas estão entre as principais fontes de arrecadação.
“Controle efetivo na entrada”
A mudança de sistema no Central já está impactando as facções criminosas. Os Bala na Cara chegaram a sondar o juiz Brzuska sobre a possibilidade de autorizar um “ingresso” mensal de R$ 2 mil, alegando ser para a compra de comida a ser oferecida às visitas.
Menos drogas dentro da cadeia significa, também, menos dinheiro na mão dessas facções. As cantinas clandestinas, mantidas por chefes das galerias, aumentaram os preços para compensar a perda com a venda de entorpecentes. Uma facção relatou dificuldades em administrar pequenos desentendimentos entre os detentos — provocados pela tensão gerada pela falta de drogas.
Relatos de detentos e familiares ao juiz dão conta de que a diminuição na entrada de entorpecentes na maior casa prisional do Estado tenha chegado a 90%.
— Pela primeira vez nos últimos 20 anos, o Central tem um controle bem efetivo na porta de entrada — salienta Brzuska.
O promotor de Justiça Luciano Pretto, que atua na fiscalização dos presídios, também elogia o uso do equipamento e defende que ele seja estendido para as outras casas prisionais do Estado.
— É um avanço inquestionável no sistema penitenciário porque, até poucos meses, havia a revista íntima, que era degradante tanto para o visitante quanto para o servidor — salienta.
Além do Central, a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) trabalha com o scanner. A Susepe afirma que, no momento, não há projeto para compra de mais equipamentos.
Flagrantes no muro aumentam oito vezes
Com a entrada principal fiscalizada pelo scanner, criminosos intensificaram a prática de arremessar drogas por cima dos muros do Central. De acordo com a estatística, as apreensões nessa modalidade aumentaram cerca de oito vezes.
Drogas e celulares, principalmente, são jogados para o pátio da prisão, sobre muros de 10m e 8m de altura. Pela proximidade relativa com um dos muros laterais, o Pavilhão D é o que registra o maior número de ocorrências deste tipo. Neste prédio, há duas galerias ocupadas por integrantes da facção Farrapos e uma outra, que pertence à dos Abertos.
No caso do Pavilhão D, como os objetos são lançados em um pátio ao qual os presos não têm acesso, para alcançá-los, eles recorrem ao que chamam de pescaria. Das janelas das galerias, lançam seus anzóis e linhas para puxar os objetos, normalmente lançados dentro de algum invólucro.
Porém, recentemente, após a adoção do scanner na sala de revistas, foram verificadas, também, tentativas de envio de objetos ao Pavilhão F, do outro lado da prisão e bem mais distante da muralha. Neste prédio, uma das galerias é ocupada pelos Bala na Cara.
— Para o F, não há como atingir o pátio, pois é muita distância. Só se houver “frete” — diz o juiz Sidinei Brzuska, referindo-se a pessoas que tenham acesso às proximidades do muro e que levem os objetos lançados no pátio até os pavilhões.
A criatividade dos presos parece não ter limites. Em 2013, policiais da Delegacia de Capturas do Deic prenderam, nas imediações do Presídio Central, um casal que usou um pombo para levar um celular, preso em seu corpo, para dentro da prisão.
Fonte: Jornal Zero Hora (RS)