Por Fórum Penitenciário Permanente
O Fórum Penitenciário Permanente, formado pelo SINDASP, SIFUSPESP e SINDCOP, obteve a tutela antecipada na ação civil pública movida no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, na qual as entidades denunciaram a omissão e a inércia do governo estadual e da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) quanto às medidas de proteção necessárias para os servidores do sistema prisional frente à pandemia do coronavírus (COVID-19). O prazo é de 20 dias para cumprimento da decisão, sob pena de multa de diária de R$ 1.000,00 e por obrigação violada.
Em decisão da 11ª Vara do Trabalho de Campinas, proferida neste 10 de junho, a juíza Erika de Franceschi deliberou pelo atendimento da maioria das reivindicações do Fórum, entre os principais:
Testes rápidos: a SAP terá que implementar uma política efetiva de testagem massiva no sistema prisional, com ato normativo definindo critérios e dentro do prazo de 20 dias definido na decisão judicial.
Afastamento de trabalhadores do grupo de risco: sendo o servidor do grupo de risco, nem a SAP nem a direção das unidades podem criar entraves, devendo o trabalhador ser “afastado de suas atividades, cabendo ao réu tão somente implementar tal obrigação”, pontua a juíza.
Proteção individual e insumos de higiene: os EPI’s e demais insumos deverão ser entregues com registro individual, com qualidade e em quantidade suficiente, com recibo identificando o servidor, data e quantidade, especificação do EPI, características e uso especificado no Protocolo de Manejo Clínico para o Novo Coronavírus, do Ministério da Saúde.
A SAP também será responsável pela guarda dos recibos “para pronto e fácil acesso de cópias pelo trabalhador em caso de necessidade de verificação dos documentos para quaisquer finalidades”.
O mesmo vale para insumos, de qualidade e que a SAP deve fornecer em quantidade suficiente para higiene pessoal e laboral, tais como álcool gel, sabonete líquido, hipoclorito de sódio, toalha de papel, entre outros produtos desinfetantes e de ação bactericida.
Presença de profissional de saúde: o governo estadual terá que disponibilizar ao menos um profissional de saúde a cada plantão para triagem de todos que adentram as unidades prisionais, não só os servidores como também terceirizados, fornecedores e advogados, entre outros.
Caso se comprove a impossibilidade da disponibilização de um profissional de saúde, a SAP deve dispor de um servidor treinado adequadamente para realizar a triagem.
Registro de acidente de trabalho: sendo a atuação do servidor penitenciário um serviço essencial e com risco da infecção pelo coronavírus, a Justiça do Trabalho reconheceu o direito do reconhecimento e registro do contágio pela COVID-19 por meio de Notificação de Acidente de Trabalho (NAT), garantindo ao trabalhador e seus familiares “as proteções inerentes ao infortúnio ligado ao trabalho”.
Confira outros detalhes na íntegra da decisão da Justiça do Trabalho:
“PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO
11ª VARA DO TRABALHO DE CAMPINAS
PROCESSO: 0010639-38.2020.5.15.0130 – Ação Civil Pública Cível
AUTOR: SINDICATO DOS FUNCIONÁRIOS DO SISTEMA PRISIONAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – SIFUSPESP E OUTROS (4)
RÉU: ESTADO DE SÃO PAULO
DECISÃO
I – RELATÓRIO
Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada por SINDICATO DOS FUNCIONÁRIOS DO SISTEMA PRISIONAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, SINDCOP-SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO SISTEMA PENITENCIÁRIO PAULISTA e SINDASP – SINDICATO DOS AGENTES DE SEGURANÇA PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO, em face do ESTADO DE SÃO PAULO, tendo por objeto medidas relacionadas ao meio ambiente de trabalho, normas de segurança, saúde e higiene do trabalho de servidores públicos estatutários, com fundamento nos efeitos causados pela pandemia relacionada ao coronavírus (COVID-19).
Os autores visam a antecipação dos efeitos da tutela a fim de que sejam determinadas à parte ré as seguintes providências, sob pena de multa: a) adoção de medidas para suprir omissões em Plano de Contingência da Secretaria da Administração Penitenciária, conforme Protocolo de Manejo Clínico para o Novo Coronavírus, do Ministério da Saúde; b) disponibilização de um profissional da saúde para cada plantão de cada uma das unidades prisionais do Estado de São Paulo, para triagens de pessoas externas e internas; c) fornecimento de EPI’s em consonância com o Protocolo de Manejo Clínico para o Novo Coronavírus, do Ministério da Saúde, mediante recibo; d) expedição de notificação de acidentes de trabalho para os casos de acometimento de servidores pela doença, no exercício das atribuições; e) isolamento e tratamento adequado de eventuais casos de custodiados com sintomas de infecção ou testados positivos; f) disponibilização de testes rápidos para aplicação aos servidores, pessoas externas e população de custodiados.
Às fls. 328 e seguintes o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO ingressou no feito requerendo o aditamento à petição inicial, e em sede de tutela antecipada, a determinação do réu ao cumprimento das seguintes medidas, sob pena de multa: a) o afastamento dos servidores integrantes de grupo de risco; b) entrega de insumos suficientes para higienização pessoal e ambiental; c) permissão e reorganização de processos de trabalho para realização de teletrabalho, nas atividades compatíveis, como administrativas; d) reorganização de escalas de trabalho para reduzir o número de trabalhadores por turno, com rodízio ou sistemas afins; e) flexibilização de horários de início e fim da jornada, ou ampliação das linhas em caso de fornecimento de transporte pela ré, para reduzir o número de trabalhadores transportados simultaneamente no transporte público; f) adoção de políticas para reduzir o número de pessoas que adentram simultaneamente nos estabelecimentos; g) implementação de medidas de prevenção ora requeridas quanto às prestadoras de serviços (terceirizadas), garantindo-se o mesmo nível de segurança dos servidores; h) advertência dos gestores dos contratos de prestação de serviços terceirizados quanto à responsabilidade da empresa contratada em adotar os meios necessários para conscientizar e prevenir os trabalhadores acerca dos riscos de contágio do coronavírus e da obrigação de notificação da contratante, quando do diagnóstico da doença.
O ESTADO DE SÃO PAULO se manifestou às fls. 354 e seguintes, alegando, em síntese: a) incompetência absoluta da Justiça do Trabalho, por se tratar de demanda que envolve servidores públicos regidos por Estatuto; b) litispendência com outras demandas coletivas ajuizadas na Justiça Comum Estadual; c) má-fé processual por tentativa de burlar a decisão da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, que suspendeu liminar deferida em um dos citados processos; d) vedação de concessão de tutela provisória contra o Poder Público; e) ausência de omissão Estatal no combate aos efeitos da pandemia, conforme atos normativos editados e discutidos com a União e Municípios, na forma de Decretos, Deliberações do Comitê Administrativo Extraordinário, Resoluções e outras deliberações; f) perigo de dano inverso, diante da essencialidade do funcionamento do sistema carcerário e da efetiva adoção de medidas, conforme elencado em ofício nos autos da ACP 1014857-74.2020.8.26.0053, pelo Secretário da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo; g) aquisição de materiais e insumos extras pela Coordenadoria de Saúde, suficientes para atendimento da demanda; h) dispensa de comparecimento pessoal dos servidores integrantes de grupo de risco e daqueles suspeitos de contaminação, conforme Resoluções SAP 43 e 44 de 2020; i) necessidade de deslocamento de profissionais atrelados a outras demandas em caso de cumprimento de ordem derivada dos pedidos feitos em inicial, em prejuízo ao atendimento da comunidade; j) formulação das políticas públicas conforme competência do Poder Executivo e critérios de mérito administrativo.
Após determinação deste Juízo, foi realizada audiência de tentativa de conciliação, em 03/06/2020, ocasião em que foram expostas de forma exaustiva pelas partes considerações acerca da presente demanda.
Embora não alcançada composição durante o ato, foi determinada a manifestação das partes sobre as medidas que lhes transparecessem como mais críticas para análise em sede de tutela de urgência.
Em vista disso os Sindicatos autores se manifestaram às fls. 626 e seguintes aduzindo que entendem pela urgência da totalidade das medidas expostas nos autos, não obstante não vislumbrem prejuízo pela análise das mesmas apenas quando da análise do mérito.
Acresceram ao rol de pedidos requerimento de determinação de afastamento dos servidores com idade igual ou superior a sessenta 60 anos e das servidoras gestantes, do ambiente das unidades prisionais, quando não detenham direito ao gozo de férias ou de saldo de férias ou que não detenham bloco completo de licença-prêmio, ou, ainda, que estejam voltando ao exercício pós férias, justificando que os mesmos são forçados a se submeterem, sem qualquer distinção ou cautela, à exposição ao contágio inerente ao regular exercício das atribuições funcionais, mesmo em face do risco decorrente das condições citadas (idade e gestação).
Na sequência o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO também expôs o entendimento acerca da urgência de todos os requerimentos já expostos, pontuando, contudo, que são prementes as providências relativas a testagem de custodiados, trabalhadores diretos e terceirizados, complementação do Plano de Contingência SAP pelo Protocolo de Manejo Clínico para o Novo Coronavírus editado pelo Ministério da Saúde, afastamento de trabalhadores que integram grupo de risco, manutenção de fornecimento de EPI’s com documentação precisa, extensão das medidas de proteção aos trabalhadores terceirizados, isolamento dos custodiados sintomáticos e infectados, e disponibilização de equipe técnica de saúde em cada unidade prisional.
Por fim, o ESTADO DE SÃO PAULO complementou sua manifestação às fls. 634 e seguintes, aduzindo, em síntese: a) impossibilidade de ampliação objetiva da lide; b) adequado fornecimento dos EPI’s, conforme amostragem que junta ao processo, havendo canal para a ciência de órgão desvinculado da unidade quanto a pontual falta de equipamento; c) autorização normativa de afastamento de servidores em grupo de risco, sendo aqueles que possuem idade igual ou superior a sessenta anos, bem como portadores de doenças respiratórias crônicas, cardiopatias, diabetes, hipertensão arterial ou outras afecções que deprimam o sistema imunológico, desde que devidamente comprovadas por laudo ou prontuário médico, bem como as gestantes; d) existência de atos normativos regulamentando o revezamento no comparecimento presencial e teletrabalho dos servidores administrativos; e) efetivo isolamento de custodiados que ingressam nas unidades, ainda que assintomáticos, bem como daqueles que passem a apresentar sintomas da doença; f) prestação de serviços terceirizados de forma permanente apenas por trabalhadores que atuam no tratamento de água e esgoto, sendo eventual o ingresso de trabalhadores voltados a outros serviços, embora cumpridas medidas preventivas com relação a ambos; g) restrição material do número de testes disponíveis para a doença, sendo necessária a adoção de critérios técnicos para otimização do uso dos testes disponíveis; h) elaboração de política pela Coordenadoria da Saúde, em andamento, para que sejam distribuídos cerca de 26.400 testes de acordo com a orientação do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), observando a demanda de cada Unidade Prisional, dentre outros critérios; i) negociação para aquisição de testes advindos de outros entes do Estado, sendo necessárias medidas adicionais como qualificação de funcionários para testagem e afins; j) ausência de respaldo fático-normativo para a complementação do plano de contingência da SAP, aplicado em conformidade com os Protocolos da Secretaria Estadual de Saúde e, naquilo em que se aplica, conforme orientações do Ministério da Saúde, observando-se a especificidade do plano elaborado para quanto à rotina das unidades prisionais; k) alocação de profissionais da saúde de forma a otimizar a mão de obra disponível, permitindo-se maior segurança dos servidores e detentos, conforme critérios de necessidade de cada unidade prisional; l) dispensabilidade da presença de profissional da saúde para triagem dos principais sintomas da doença, bastando o manejo de termômetro e aplicação de questionário simples aos visitantes; m) realização de afastamentos de servidores sintomáticos, por meio de autodeclaração e atestado médico, sendo aplicável aos afastamentos a norma que regula as outras doença, podendo ou não ser reconhecido como relacionado ao trabalho; n) adequada adoção de medidas para redução do fluxo de pessoas nas unidades prisionais, como restrição a transferência de presos, desobrigação de comparecimento de sentenciados para assinatura de caderneta, suspensão de atividades educacionais, de trabalho, religiosas ou outras que envolvam aglomeração, assim como visitação de familiares.
Em virtude dos pedidos de antecipação dos efeitos da tutela, vieram os autos conclusos para análise.
Passo a decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Limites objetivos da lide
Não há, no presente caso, qualquer requerimento que implique verdadeira ampliação do objeto da lide.
Isso porque o único pedido que pode ser – em tese – interpretado como tal, é aquele contido na manifestação dos Sindicatos autores após a audiência de tentativa de conciliação, sendo mera especificação de pedido já exposto nos autos pelo Ministério Público do Trabalho, na qualidade de litisconsorte ativo (afastamento de servidores integrantes de grupo de risco).
Destarte, e considerando que o referido grupo de risco é conceituado de forma técnica pelas autoridades competentes, eventual cumprimento de providência nesse sentido comportará a integralidade dos trabalhadores em tal situação.
Na mesma linha, o requerimento de distribuição dos profissionais de saúde do sistema prisional dentre as respectivas unidades, feito pelo Ministério Público do Trabalho, também se enquadra objetivamente no escopo da ação, pois apenas especifica providência lançada na petição inicial.
Pontuo, contudo, que no decorrer da audiência de tentativa de conciliação aventou-se discussão acerca da natureza afastamento dos servidores em grupo de risco.
Nesse aspecto, muito embora a questão relacionada aos afastamentos seja pertinente ao objeto da demanda (saúde, meio ambiente e segurança do trabalho) descabe a esta Justiça Especializada decidir acerca dos efeitos de tal fato sobre o histórico funcional dos servidores, uma vez que a matéria se insere na competência da Justiça Comum Estadual (vantagens estatutárias, licença prêmio, férias, progressão e promoção funcional), além de não ser objeto específico da ação, pelo que deixo de proceder à análise dos derradeiros aspectos ora citados.
PRELIMINARES
As questões preliminares já foram objeto de apreciação às fls. 574 e seguintes.
MÉRITO
Suspensão das audiências presenciais
Em atenção ao disposto na Portaria Conjunta GP-VPA-VPJ-CR nº 005/2020, de 28/04/2020, que determinou a suspensão de audiências presenciais no âmbito da Justiça do Trabalho de 1ª e 2ª graus, ficam as partes cientificadas da suspensão das audiências presenciais, o que se aplica a este feito.
Antecipação dos efeitos da tutela
Por questão de racionalidade e organização processual, procedo à análise de cada um dos pedidos de forma individualizada, na ordem de sua realização e conforme os itens adotados pelos Sindicatos autores e pelo Ministério Público do Trabalho (letras e numerais romanos, respectivamente).
Pedidos dos Sindicatos autores
- a) Complementação do Plano de Contingência da SAP
Não obstante a pretensão em tela detenha notória relevância, face à situação vivenciada e decorrente da atual pandemia, observa-se que no documento denominado ‘Plano de Contingência COVID 19’, juntado às fls. 195 e emitido pela Secretaria da Administração Penitenciária, há expressa menção à necessidade de observância das orientações oficiais do Ministério da Saúde.
Deste modo, não há anulação de um dos protocolos pelo outro, mas sim a regulamentação de procedimentos específicos a serem adotados no caso das unidades prisionais, quanto ao primeiro Plano (SAP).
Portanto, não se vislumbra efetiva omissão neste aspecto, pelo que indefiro, por ora, o pedido de antecipação dos efeitos da tutela neste ponto.
- b) Disponibilização de profissional da saúde
Em que pese o argumento do réu, no sentido de ser desnecessária a presença de profissional da área da saúde com a finalidade de realizar a triagem dos frequentadores das unidades prisionais, é certo que a Portaria Interministerial n. 7, de 2020, preceitua em seu art. 3º, § 3º, que ‘os profissionais de saúde que realizarem atividades de triagem e de acompanhamento de custodiados em isolamento deverão evitar, se possível, a circulação e o atendimento nas alas sem casos suspeitos ou confirmados.’
Infere-se da referida norma, portanto, que a realização de treinamentos para diagnóstico de possíveis casos é apenas um dos requisitos para a atividade de triagem, a qual deve ser realizada por profissional da área da saúde, que detém qualificação técnica pré-estabelecida para tanto.
Todavia, por evidente, na falta de profissional pertencente à área da saúde, e por critério de razoabilidade, a presença de pessoa treinada para os procedimentos de triagem se impõe, o que se mostra mais benéfico do que simplesmente ignorar tal procedimento.
Diante disso, é dotada de razoabilidade a pretensão dos Sindicatos autores, haja vista que visa a manutenção de quadro mínimo com a finalidade de garantir a higidez do ambiente prisional.
Outrossim, há urgência da medida, posto que a eventual inadequada triagem de um único servidor, custodiado ou terceiro, pode comprometer sobremaneira a condição da unidade como um todo.
Há que se salientar, porém, que a alocação dos profissionais de saúde externos ao quadro do sistema prisional não compete a esta Justiça Especializada, por se tratar de questão atinente ao mérito administrativo, não passível de controle judicial, no caso.
Isso porque, dados os efeitos da atual pandemia, bem como a necessidade de racional distribuição de tais profissionais, mantem-se a cargo do Poder Executivo e de seus órgãos subordinados a eleição dos melhores critérios para tal providência, observadas as necessidades gerais da população conforme a complexidade de critérios incidentes (densidade demográfica, número de casos, ocupação de hospitais, etc.).
Não obstante, no que se refere ao quadro de profissionais da saúde do sistema prisional é cabível a adoção de tais providências, uma vez que para tanto basta a adoção de planejamento relativo a organização interna do pessoal.
Pelo exposto, acolho em parte o pedido, determinando-se ao réu que disponibilize em cada plantão de cada uma das unidades prisionais do Estado, ao menos um profissional de saúde pertencente aos quadros da Secretaria da Administração Penitenciária, com atribuição de triagem de pessoas externas (servidores de outras unidades e secretarias, advogados e policiais), de custodiados internados, ingressos e transferidos, e dos servidores e prestadores de serviços terceirizados e fornecedores em geral.
Em caso de comprovada impossibilidade de atendimento da decisão em determinada unidade ou ocasião, e para que se evitem os prejuízos daí advindos, deverá o réu suprir a ordem pela disponibilização de servidor adequadamente treinado para tanto.
Prejudicado o pedido feito em aditamento à petição inicial pelo Ministério Público do trabalho, com mesmo objeto.
- c) Entrega e registro de EPI’s
No decorrer da audiência de tentativa de conciliação foi exposto pelos Sindicatos autores que houve substancial melhora no atendimento da presente demanda, sendo pontuais os casos em que verificada a ausência de disponibilização dos EPI’s.
Observa-se nos documentos colacionados na manifestação do réu, na mesma linha, a presença de equipamentos como luvas, álcool em gel, aventais e máscaras, detendo estas últimas ‘filtro EFB com 97% de retenção bacteriana’, dentre outras características de eficácia’.
Há, ainda, amostragem contendo recibos de entrega de EPI’s às fls. 819 e seguintes, com identificação dos funcionários beneficiados.
Não obstante tais documentos demonstrem o empenho do réu em regularizar a situação, há que se complementá-los em observância ao registro da qualidade dos EPI’s entregues, o que deve ser feito de forma individualizada quanto a tais características, haja vista que a eventual entrega de equipamentos de forma insuficiente ou inadequada não se distingue da mera ausência dos EPI’s.
Diante disso, acolho em parte o pedido, determinando-se ao réu que: 1) proceda ao registro da entrega dos EPI’s (máscaras, aventais, luvas e outros que se fizerem necessários) em quantidade suficiente, mediante recibo que contenha ao menos as seguintes informações: a) identificação do trabalhador; b) especificação da data de entrega e quantidade do EPI fornecido; c) especificação da qualidade do EPI (CA e características afins) em atendimento ao Protocolo de Manejo Clínico para o Novo Coronavírus, do Ministério da Saúde; 2) proceda a guarda dos recibos para pronto e fácil acesso de cópias pelo trabalhador em caso de necessidade de verificação dos documentos para quaisquer finalidades, sob pena de, não o fazendo, reputar-se não entregue o equipamento nas ocasiões em que omissos os recibos requeridos.
- d) Notificação de Acidente de Trabalho (NAT)
Quando da audiência de tentativa de conciliação ponderaram as partes acerca das peculiaridades quanto às notificações de acidente de trabalho quando do diagnóstico positivo em relação ao COVID 19.
Argumentaram os autores acerca do recente reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, quanto à natureza acidentária do acometimento pela doença em questão.
Com efeito, decidiu aquela Corte em sessão que deliberou sobre a ADI 6342 e conexas, dentre outros temas, pela suspensão do art. 29, da Medida Provisória 927/2020, que assim dispunha: ‘os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal’.
Acertadamente, afastou o STF a incidência do citado dispositivo, uma vez que a norma desprezava a necessidade de exposição diária de diversos trabalhadores aos efeitos da pandemia, atribuindo-lhe o ônus da prova que por vezes é impossível de se caracterizar.
Vale dizer, ainda, que qualquer atividade, essencial ou não, desde que exercida por força de imposições do cargo, emprego ou função, e que exija a habitual exposição do trabalhador ao risco de aquisição do vírus, efetivamente deve ser vista sob tal entendimento, até mesmo sob a ótica do disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil.
Este é o caso dos autos, uma vez que os funcionários do réu, em contato diário com pessoas e no exercício de atividade indispensável, são submetidos a relevante risco de aquisição da doença.
Disso decorre o dever de o réu arcar com eventuais consequências do acidente, garantindo-se ao trabalhador e a seus familiares as proteções inerentes ao infortúnio ligado ao trabalho.
Não pode ser desprezado, contudo, o fato de que há servidores em exercício de atividade remota, além de outros que foram afastados das funções por pertencerem a grupo de risco, ou por motivos diversos. Estes últimos, não obstante a natureza objetiva da responsabilidade da ré, por óbvio não podem ter presumido o nexo de causalidade entre eventual acometimento da doença e o labor.
Como critério objetivo para a caracterização do acidente de trabalho, entendo razoável fixar, por ora, o período de 14 dias, equivalente ao tempo estimado de incubação do vírus e aparecimento de sintomas, conforme dados oriundos da Organização Mundial da Saúde – OMS (fato notório).
Deste modo, e por critério de razoabilidade, acolho em parte o pedido, determinando-se ao réu que proceda ao registro da Notificação de Acidente de Trabalho (NAT) para todos os servidores diagnosticados com o coronavírus, desde que tenham prestado serviços presenciais (nas unidades ou em ambiente externo, se no exercício da função) nos 14 dias anteriores ao diagnóstico da doença ou surgimento dos sintomas.
- e) Isolamento e tratamento de custodiados com sintomas ou testados positivos
O presente pedido feito pelos sindicatos autores, embora evidentemente plausível e de implementação obrigatória pelo réu, possui amparo no Plano de Contingência do SAP, ao dispor que ‘a Pessoa Privada de Liberdade – PPL, deverá de imediato ser levada para cela de isolamento na enfermaria da unidade prisional, evitando a movimentação e transporte para fora do isolamento, restringindo às necessidades médicas; bem como a suspensão de visita da mesma.’
Considerando que a causa de pedir em tela se fundamenta, sobretudo, em critérios de precaução, e diante da previsão acima, a qual não foi apontada como descumprida nos presentes autos, deixo de acolher o pedido neste ponto, por ora, uma vez que não se constata omissão efetiva.
- f) Disponibilização de testes rápidos
O presente ponto foi abordado no decorrer da audiência de tentativa de conciliação como crucial pelos autores, o que, de fato, mostra-se relevante se considerada a notória situação vivenciada nas unidades prisionais do país, como um todo.
Contudo, também foi pontuado pelo réu que o Estado não estaria omisso na elaboração de critérios para testagem, tendo anexado aos autos inclusive nota fiscal recente (29/05/2020) que comprova a disponibilização de 26.400 testes rápidos (1056 caixas com 25 testes cada).
Deve ser ressaltado, porém, que a intenção de elaborar critérios de testagem não é suficiente para amenizar os efeitos de eventuais focos da doença sobre a saúde dos servidores e terceiros, para o que decorreu tempo considerável desde a declaração do estado de pandemia, portanto suficiente para elaboração efetiva de tal plano.
Nada obstante, não pode ser desprezado o fato – notório – de que a produção dos testes e o próprio processo de obtenção dos resultados ainda são procedimentos para o que não sobejam materiais ou profissionais, de modo que qualquer determinação inflexível pode causar prejuízos a áreas diversas do sistema público de saúde.
Com base no exposto, acolho em parte o pedido da parte autora, a ser implementado, contudo, pelas seguintes providências a serem comprovadas pelo réu, por ora: 1) elaboração de ato normativo com critérios claros e objetivos quanto à política de testagem no sistema prisional, com apresentação do mesmo no processo, no prazo a ser fixado ao final desta decisão; 2) implementação efetiva da política de testagem regulamentada, no mesmo prazo a ser definido.
Sem prejuízo de tais providências, ressalto que quando da prolação da sentença será objeto de análise a adequação mínima do referido plano, ficando ressalvadas eventuais determinações complementares, obedecidos os limites objetivo da lide.
Pedidos do Ministério Público do Trabalho
- I) Afastamento de servidores em grupo de risco
As resoluções de nº. 43 e 44 de 2020, juntadas às fls. 678 e seguintes, dispõe sobre o afastamento de servidores em grupo de risco: ‘servidores com 60 anos ou mais, bem como aqueles que sejam portadores de doenças respiratórias crônicas, cardiopatias, diabetes, hipertensão ou outras afecções que deprimam o sistema imunológico’ os quais ‘poderão requerer a concessão de férias e/ou de licença prêmio, iniciando-se tal fruição a partir do dia 26-03-2020.’
Há, ainda, disposição específica sobre as servidoras gestantes (art. 2º), conforme procedimentos lá elencados.
Não há omissão, assim, no que tange à edição de atos normativos tendentes a suprir tal obrigação.
Entretanto, foi objeto de menção na audiência de 03/06/2020 que tais afastamentos ficariam a cargo do servidor, mediante requerimento, o que poderia prejudicar a iniciativa de muitos funcionários por questões diversas como evolução funcional e afins.
Sem prejuízo deste último aspecto, cuja discussão foi destacada nesta decisão pelo Juízo como de competência da Justiça Comum Estadual, é assente que, em se tratando de afastamento relacionado a fator de risco, descabe à Administração Pública relegar ao trabalhador a opção de fazê-lo.
Ou seja, constatada a inserção do servidor em grupo de risco, deve este ser afastado de suas atividades, cabendo ao réu tão somente implementar tal obrigação.
Em que pese a sistemática adotada pelo réu no ato normativo para fins de comprovação do enquadramento no grupo de risco não ser aquela mais adequada – demonstração da patologia ou condição pelo funcionário -, há que se observar que nem sempre as citadas enfermidades podem ser de conhecimento do réu, seja qual for a origem de tal fato (ausência de exames periódicos ou de informações pelo servidor).
Deste modo, acolho em parte o pedido, para determinar que o réu proceda ao afastamento dos servidores enquadrados no grupo de risco (aqueles com 60 anos ou mais, bem como os que sejam portadores de doenças respiratórias crônicas, cardiopatias, diabetes, hipertensão ou outras afecções que deprimam o sistema imunológico) e gestantes, de ofício (quando indicada a condição de risco nos assentamentos funcionais) ou mediante requerimento (quando comprovada a condição pelo servidor em caso de omissão nos assentamentos funcionais).
- II) Entrega de insumos
O presente pedido se enquadra nos mesmos moldes do quanto já exposto quanto aos EPI’s (item ‘c’ do rol de pedidos dos Sindicatos autores), sendo ressaltado na audiência de tentativa de conciliação que há empenho no adequado fornecimento, com pontuais questões de falta dos produtos.
Como já observado, todavia, detém a questão urgência, uma vez que é da natureza das atribuições dos servidores e demais ingressantes das unidades prisionais o contato com objetos e materiais diversos, ou até mesmo o contato físico, em situações diversas e rotineiras no sistema carcerário.
Destarte, mesmo as poucas situações em que constatada insuficiência dos produtos não podem ser desprezadas, pois diante do atual cenário causado pela pandemia é necessária a adoção de cuidados frequentes e diuturnos.
Pelo exposto, e em sede de tutela de urgência, determino ao réu que proceda a entrega de insumos suficientes, em qualidade e notadamente quantidade, para a higienização pessoal e ambiental, como álcool em gel, sabonete líquido, papel toalha, produtos de limpeza com ação desinfetante e bactericida, sem prejuízo de outros que se mostrem necessários, nos exatos termos do pedido.
III, IV e V) Organização de processos, teletrabalho, reorganização de escalas de trabalho e flexibilização de início e fim do labor
O ato normativo indicado pelo réu (Resolução SAP 74/2020) prevê a realização de teletrabalho e escalas em dias alternados (fl. 686), fixando outros critérios quanto à necessidade de trabalho presencial, desde que constatada por superior imediato, além de situações afins.
Por se tratar de aspecto abrangente, considerada uma multiplicidade de cargos e aspectos atinentes a cada função, resta inviável que se determine de forma peremptória a adoção de medidas que já foram objeto de normatização pelo réu.
Além disso, fixadas as condições para garantia mínima da adequação do meio ambiente do trabalho, não cabe ao Poder Judiciário adentrar em questões atinentes ao mérito administrativo quanto a fixação de horários de trabalho, transporte de servidores e situações afins, eis que fogem ao escopo da demanda e desconsideram o número de unidades prisionais e especificidades de cada uma delas, assim como das localidades em que se situam. Por inexistir omissão relevante, deixo de acolher o pedido de antecipação dos efeitos da tutela nestes pontos.
- VI) Redução do número de pessoas que adentram nos estabelecimentos
No mesmo sentido do quanto exposto no item anterior, demonstrou o réu a regulamentação de situações diversas com a finalidade de reduzir a presença de pessoas nas unidades prisionais, bem como o deslocamento para estas ou entre estas.
Destacam-se a resolução SAP 60/2020, que suspendeu as visitas nas unidades prisionais, e 75/2020, que a prorrogou (fls. 682 e 687), assim como 69/2020, que suspendeu a saída de reeducandos ou assistência interna decorrente do ingresso de profissionais (fl. 684).
Logo, aqui também não se vislumbra omissão relevante apta a ensejar a fixação de diretrizes pelo Poder Judiciário, motivo pelo qual indefiro, por ora, o pedido.
VII e VIII) Prestadores e serviços terceirizados
Decorre da interpretação do disposto no art. 9º, § 1º, da Lei n. 6.019/1974, e também por razões lógicas, não apenas a responsabilidade solidária da contratante de serviços prestados por terceiros, no que tange a segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, mas efetiva responsabilidade direta.
Isso porque, tratando-se de direito transindividual, de natureza indivisível, é o meio ambiente do trabalho salubre prerrogativa de todo e qualquer trabalhador (direto ou indireto), que se encontre no ambiente físico do tomador.
Logo, detém o argumento do litisconsorte ativo amparo jurídico e fático, notadamente porque, sem que sejam as providências ora deferidas adotadas com relação a todos os servidores e terceirizados, pode se tornar inócuo o conjunto de medidas, para o que basta uma única omissão.
Deste modo, por presentes os requisitos dispostos no art. 300, do CPC, concedo a tutela de urgência para determinar ao réu: 1) que implemente, de forma integrada com as empresas prestadoras de serviços, todas as medidas de prevenção já adotadas para seus servidores e também as aquelas determinadas neste feito, de forma a garantir-se o mesmo nível de proteção a todos os trabalhadores do estabelecimento prisional; 2) que advirta formalmente (de modo escrito e mediante recibo, ainda que por meios eletrônicos) os gestores dos contratos de prestação de serviços terceirizados quanto à responsabilidade da empresa contratada em adotar todos os meios necessários para conscientizar e prevenir seus trabalhadores acerca dos riscos do contágio do novo coronavírus (SARSCOV – 2) e da obrigação de notificação da contratante, quando do diagnóstico de trabalhador com a doença (COVID-19).
Prazo para cumprimento
O prazo para observância total das presentes determinações, pelo réu, fica fixado em 20 dias.
No caso de descumprimento resta fixada a penalidade de R$ 1.000,00 por dia e por obrigação violada, cujo eventual destino será objeto de decisão em momento oportuno.
Cumpra-se.
Intimem-se.
CAMPINAS/SP, 10 de junho de 2020.
ERIKA DE FRANCESCHI
Juíza do Trabalho”