Bairro foi palco de ao menos 7 assassinatos ligados ao PCC, incluindo o de Cara Preta, morte que teria envolvimento de Vinicius Gritzbach
Tatuapé, miolo abastado da zona leste de São Paulo, onde o crime organizado investe em imóveis de luxo para lavar dinheiro, foi palco de ao menos sete execuções ligadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC) em um período de seis anos.
Isso representa 35% do total de 20 vítimas de assassinatos registrados na região pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP) entre 2018 e 2023.
O PCC deixou algumas “assinaturas” nas execuções, incluindo a exposição em praça pública da cabeça de um homem decapitado e um enforcamento sob um viaduto.
Entre os sete mortos (clique nas fotos abaixo para mais detalhes) estão o importante líder do PCC Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, e o motorista dele, Antônio Corona Neto, o Sem Sangue. A morte dos dois teria o envolvimento do corretor de imóveis Vinícius Gritzbach, executado com dez tiros, no último dia 8, no Aeroporto Internacional de São Paulo, na região metropolitana.
Arte do mapa da capital paulista sobre fundo preto com símbolo do ying yang vermelho e preto – Metrópoles
Nascente de sangue
A primeira morte ligada diretamente ao PCC na região, no período, foi a de Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro, executado a tiros em frente a um hotel de luxo no Tatuapé, mesmo região onde Gritzbach negociou imóveis com a alta cúpula da facção para lavar dinheiro do tráfico de drogas, crime pelo qual ele também era denunciado pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP).
Cabelo Duro foi morto por retaliação ao assassinato de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, número um do PCC nas ruas e apontado pelo MPSP como o principal responsável pela internacionalização do tráfico de drogas da organização criminosa.
Gegê e Fabiano Alves de Souza, o Paca, estavam no helicóptero de Cabelo Duro. A aeronave foi usada para transportar os dois membros do PCC até uma clareira de uma reserva indígena em Aquiraz, no Ceará, onde ocorreu o duplo assassinato, em 15 de fevereiro de 2018.
A morte de ambos foi o estopim para um racha na cúpula do PCC, ocorrida poucos anos depois, como afirmou ao Metrópoles o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPSP.
Traindo aliado
Para ser executado, Cabelo Duro foi atraído para o hotel de luxo, no Tatuapé, pelo seu aliado Cláudio Roberto Ferreira, o Galo Cego.
Investigação da Polícia Civil e do Gaeco mostra que Galo Cego — por conta da proximidade com Cabelo Duro — foi sequestrado e levado até um “tribunal do crime”. Lá, ele foi ameaçado de morte a não ser que ajudasse a atrair o parceiro dele para uma emboscada.
Mesmo ajudando, em 23 de julho de 2018, Galo Cego foi morto, também na zona leste, dentro de seu carro. O carro blindado não conseguiu neutralizar 70 tiros de fuzil. O assassinato poderia ter resultado de uma queima de arquivo ou, ainda, de uma vingança.
Cara Preta e Sem Sangue
Em 26 de dezembro de 2021, Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, foi executado com tiros de pistola, junto com o motorista dele, Antônio Corona Neto, o Sem Sangue, a poucos metros da Praça 20 de Janeiro, no Tatuapé.
Cara Preta era um importante líder do PCC e mantinha negócios com Gritzbach no ramo imobiliário e também na operação de criptomoedas.
Foi do Cara Preta que o corretor de imóveis teria recebido e sumido com um pen-drive com 100 milhões de dólares de criptomoedas, o que poderia render quase meio bilhão de reais. O equipamento provocou uma “caça ao tesouro” entre criminosos e policiais corruptos, conforme apurou o Metrópoles com fontes do MPSP, TJSP e das polícias Civil e Militar. O objeto não foi encontrado até o momento.
Gritzbach era investigado pelo Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) por ser o suposto mandante do duplo homicídio, o que ele sempre negou.
Em depoimento obtido pelo Metrópoles, Gritzbach afirmou que o delegado Fábio Baena e o chefe de investigações Eduardo Monteiro, ambos do DHPP na ocasião, teriam pedido R$ 40 milhões para retirar o nome do corretor do inquérito policial que investigava o assassinato de Cara Preta e Sem Sangue — valor que não foi pago, segundo o próprio Gritzbach.
Mais mortes no Tatuapé
O duplo assassinato atribuído ao mando de Gritzbach teria sido viabilizado pelo agente penitenciário David Moreira da Silva, apontado como o contratante do pistoleiro Noé Alves Shaun.
A cabeça de Nóe foi deixada à vista, em janeiro de 2022, na Praça 20 de Janeiro, Tatuapé, perto de onde Cara Preta e Sem Sangue haviam sido assassinados. Além disso, dentro da boca dele havia um bilhete, no qual constava o motivo do assassinato seguido de decapitação:
“Esse pilantra foi cobrado em cima da covardia que ele fez em cima dos nossos irmãos Anselmo e Sem Sangue.”
Sequestro de Gritzbach
Gritzbach teria sido sequestrado e levado para um Tribunal do Crime na mesma semana em que a cabeça de Noé foi encontrada.
O rapto teria envolvimento de Django, Rafael Maeda Pires, o Japa, e Danilo Lima de Oliveira, o Tripa. Os dois últimos envolvidos com agenciamento de jogadores de futebol para lavar dinheiro do crime organizado.
Gritzbach só não foi executado naquele momento porque, segundo investigação do Gaeco, ele entregou um token (chave eletrônica) com R$ 27 milhões para Django, comprando com isso uma “absolvição”, ao menos temporária, do tribunal do PCC.
Morte de Django
Ainda em janeiro de 2022, no dia 23, Django foi encontrado morto, enforcado sob o viaduto Vila Matilde, bairro limítrofe com o Tatuapé. A morte foi arquivada pelo DHPP, sem nenhuma investigação.
Cerca de 4 meses depois, Japa foi encontrado morto em um carro estacionado no Tatuapé. Fazia pouco tempo que ele havia prestado depoimento ao DHPP sobre a morte de Cara Preta.
O caso, primeiramente, foi registrado como suicídio. Depois, peritos constatarem que a arma encontrada com Japa, uma pistola 9 milímetros, não havia sido usada e a história tomou outro rumo.
Outro detalhe que derrubou a tese de suicídio foi o fato de Japa estar com um tiro do lado esquerdo da cabeça e a arma encontrada com seu corpo, sem nenhuma munição deflagrada, estar na mão direita.
PCC: como o Tatuapé virou reduto dos barões da facção em SP
Território familiar
Policiais civis que investigam o PCC no Tatuapé falaram com o Metrópoles, solicitando que suas identidades fossem mantidas em sigilo.
Um delegado afirmou que, historicamente, a zona leste é a região onde o PCC “sempre foi mais forte”.
“Arriscaria dizer é a região onde a facção sempre foi mais forte. Obviamente, o traficante ascende socialmente e, por isso, ele vai procurar se deslocar para um local mais próximo de onde estava antes.”
O policial civil pontua que, além do Tatuapé, os criminosos migraram para bairros adjacentes e emergentes, como o Anália Franco.
O delegado acrescentou, ainda, que a mudança para regiões mais ricas favorece a aproximação dos criminosos com “pessoas que lidam com dinheiro”, como donos de concessionárias de veículos, comércios e construtoras.
Carros do PCC eram negociados para viabilizar lavagem de dinheiro
Carros de luxo do PCC
Receita identificou que suspeitos usavam carros de luxo, sem registrá-los
“Essa proximidade favorece eventuais relacionamentos e, uma vez estabelecido, há uma união para que o criminoso lave seu dinheiro com aquele comerciante, que passa a ser criminoso quando assume essa conduta de lavar dinheiro para o crime”, disse o delegado.
Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o professor Rafael Alcadipani, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explicou que, por estar “no começo da zona leste”, mais perto da região central, criminosos que moram em pontos mais distantes, dominados pelo PCC, migram para o Tatuapé, mantendo-se ainda em território conhecido.
“O Tatuapé viveu uma expansão imobiliária importante, de imóveis caros, e é um lugar que se tornou status desse novo dinheiro de São Paulo.”
Segundo outra autoridade que também investiga o PCC, em bairros tradicionalmente ricos, nos quais gerações de abastados vivem e se sucedem, os criminosos iriam “chamar a atenção” por conta dos hábitos, o que poderia facilitar a localizações deles pela polícia.
“Os membros da facção gostam de um certo tipo de roupa, de músicas. Nos Jardins, por exemplo, esses hábitos chamariam a atenção de forma negativa, seriam vistos com desconfiança, expondo os criminosos. Já na zona leste, não, aqui isso passa batido”, explicou.
Alfredo Henrique
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