Justiça paralela: entenda como funciona o “tabuleiro do PCC”

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“Tribunais do crime” foram instituídos no início dos anos 2000 por Marcos Herbas William Camacho, o Marcola, após criação dos “disciplinas”

O que é chamado de “tribunal do crime” foi instituído no início dos anos 2000 por Marcos Herbas William Camacho, o Marcola, apontado como líder máximo do Primeiro Comando da Capital (PCC), quando ele criou o setor de “disciplinas” dentro da facção.

Os indivíduos nessa posição são responsáveis por garantir o cumprimento das regras da organização, podendo aplicar punições caso elas sejam descumpridas. Para isso, porém, é necessário um julgamento cuja sentença é dada por criminosos do alto escalão da facção. O Metrópoles revelou a ação de um desses líderes, Alexsandro Cardoso Mota, o Satanás, que por meio de tribunais do crime mata rivais e impõe o terror no interior de São Paulo.

 

Investigações do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPSP, mostram que Marcola descentralizou as ações financeiras do PCC, dividindo-as em células, ligadas a outras maiores, que chegam a um núcleo central.

A figura do disciplina nasceu para servir como uma espécie de “corregedor” das ações financeiras da facção. Com o tempo, ele passou a julgar qualquer demanda apresentada, em um sistema de justiça marginal, pautado nos preceitos do PCC. Foi assim que nasceram os tribunais do crime.

Cada comunidade, atualmente, segundo as investigações, conta com a figura do disciplina. Eles recebem as queixas dos moradores, ouvem testemunhas, coletam provas e marcam uma data para o julgamento.

Intimações e torturas
Os “réus” são intimados verbalmente ou por mensagens de celular, com dia e horário do julgamento. Eles podem apresentar suas defesas e também levar testemunhas. Há registros de que réus são torturados para assumir crimes, mesmo que testemunhas digam que eles são inocentes.

Especialista em “tribunal do crime”, o delegado Cristiano Luiz Sacrini Ferreira, do Setor de Homicídios e de Proteção à Pessoa (SHPP) de São Bernardo do Campo, no ABC, disse em entrevista no ano passado ao Metrópoles que há uma similaridade simbólica entre a Justiça paralela criada pela facção que comanda o tráfico internacional de drogas no país e os julgamentos legítimos feitos pelo Poder Judiciário brasileiro.

A facção criminosa paulista realiza seus julgamentos intimando os acusados a prestarem satisfação e ouvindo testemunhas. Após avaliar os depoimentos e as provas coletadas, o tribunal do PCC chega a um veredicto. Na maioria das vezes, é aplicada a pena de morte.

O delegado iniciou seu trabalho na região em 2020, quando começou a identificar, a partir da análise de estatísticas, um modo de ação em alguns homicídios.

Cristiano Ferreira notou que os assassinatos ligados aos justiçamentos eram silenciados por causa das ameaças e do medo impostos pelo crime organizado nas comunidades carentes onde eles ocorriam.

“Eles [criminosos] usam as comunidades para que elas sejam o escudo dos atos ilegais cometidos por eles, visando ao lucro. O crime organizado está ali por uma razão: para arregimentar jovens ou servir a outros [jovens] que buscam ascensão social, mesmo que efêmera”, afirmou na ocasião. Em três anos, o SHPP identificou a forma de agir de várias lideranças dos tribunais, das quais 11 já foram presas.

Alfredo Henrique

Arte – Fundo vermelho, com gravura de homem encapuzado, como um monge, segurando fuzil. Atrás dele, mão gigante, na qual está escrito PCC – Arte/Metrópoles.

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