No dia 15 de novembro celebramos a Proclamação da República no Brasil

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No dia 15 de novembro celebramos a Proclamação da República no Brasil. Mas o que significa realmente viver em uma república? Embora o termo seja comum em qualquer discussão política, seu verdadeiro significado permanece nebuloso para muitos.

Reprodução
É fácil confundir república com democracia, como se fossem sinônimos. Mas essa associação é enganosa. A confusão vem do fato de que muitos países ocidentais, como o Brasil, adotaram elementos tanto da democracia quanto do republicanismo em suas fundações políticas. Mas, historicamente, essas ideias têm origens e objetivos distintos.

Historicamente, a democracia tem suas raízes na Grécia Antiga, onde a participação direta dos cidadãos nas decisões públicas era a essência do sistema. Em Atenas, por exemplo, os cidadãos à época (pessoas do sexo masculino, adultas e livres) reuniam-se nas ágoras para debater e decidir diretamente os rumos da cidade-estado em seus aspectos mais técnicos e essenciais como economia, guerra e relações exteriores. A palavra-chave aqui é “participação”.

Já a ideia de república remonta à Roma Antiga, onde a participação popular nas decisões políticas era menos relevante do que o controle do poder através de instituições. No republicanismo romano, o foco era garantir que o poder político fosse moderado e controlado, evitando abusos. Assim, enquanto a democracia ateniense se estruturava em torno da participação cidadã, a república romana se centrava no conceito de “controle”. Não por acaso, ao pensar em Roma, a imagem do Senado surge antes de qualquer noção de participação popular.

O Senado romano, longe de ser um órgão legislativo com membros eleitos como nos países modernos, era composto pelos chefes (“paterfamilias”) das famílias mais abastadas. A palavra “Senatus” vem de “senex”, que significa “homem velho”, fazendo do Senado, portanto, um “Conselho de Homens Velhos e Ricos de Roma”. Apesar de pouco democrático, o Senado desempenhava um papel crucial de controle sobre o poder político, especialmente dos cônsules, as autoridades máximas da República Romana. Controlava aspectos vitais da política externa, mobilizava o exército e tinha o poder de revogar atos dos cônsules, entre outras coisas.

Além disso, os romanos também deixaram um legado duradouro em termos de legislação, com seus códigos de leis influenciando até hoje o direito ocidental, especialmente em áreas como contratos, direito de família e sucessões. O objetivo era garantir que o poder político servisse à “res publica” — a “coisa pública” — e que essa fosse preservada contra desvios e abusos.
Teoria política moderna
Avançando no tempo, um dos textos mais influentes da teoria política moderna, “O Federalista”, de Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, desempenhou um papel crucial no futuro das 13 colônias britânicas que se tornaram independentes em 1776.

Influenciadas pela obra, tais colônias decidiram se unir e se tornar os “Estados Unidos da América” em 1788 com a ratificação da constituição do país que continua vigente até hoje. Assim, o pensamento de Hamilton, Madison e Jay foi fundamental para moldar os Estados Unidos (e, em boa medida, o Brasil pós 15 de novembro de 1889), combinando a ideia de participação popular da democracia com a estrutura de controle da república.

Os autores de “O Federalista” argumentaram que um simples “governo da maioria” não seria suficiente para o bem-estar do povo. Madison, em especial, advertia que uma “democracia pura” poderia ser tão perigosa quanto o governo de um tirano, e que a moderação e o controle eram essenciais para um governo justo. Daí surge a célebre frase: “Se os homens fossem anjos, não seria necessário governo. Se os homens fossem governados por anjos, dispensar-se-iam os controles internos e externos de governo” (Madison, Paper 51). Era necessário, portanto, um sistema de divisão de poderes e de freios e contrapesos que evitasse tanto a tirania de um líder quanto a tirania da maioria.

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Opinião
República, democracia e equilíbrio do poder: o que realmente celebramos no 15 de Novembro?
Bruno de Almeida Passadore
15 de novembro de 2024, 6h02

Política
No dia 15 de novembro celebramos a Proclamação da República no Brasil. Mas o que significa realmente viver em uma república? Embora o termo seja comum em qualquer discussão política, seu verdadeiro significado permanece nebuloso para muitos.

Reprodução
É fácil confundir república com democracia, como se fossem sinônimos. Mas essa associação é enganosa. A confusão vem do fato de que muitos países ocidentais, como o Brasil, adotaram elementos tanto da democracia quanto do republicanismo em suas fundações políticas. Mas, historicamente, essas ideias têm origens e objetivos distintos.

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Historicamente, a democracia tem suas raízes na Grécia Antiga, onde a participação direta dos cidadãos nas decisões públicas era a essência do sistema. Em Atenas, por exemplo, os cidadãos à época (pessoas do sexo masculino, adultas e livres) reuniam-se nas ágoras para debater e decidir diretamente os rumos da cidade-estado em seus aspectos mais técnicos e essenciais como economia, guerra e relações exteriores. A palavra-chave aqui é “participação”.

Já a ideia de república remonta à Roma Antiga, onde a participação popular nas decisões políticas era menos relevante do que o controle do poder através de instituições. No republicanismo romano, o foco era garantir que o poder político fosse moderado e controlado, evitando abusos. Assim, enquanto a democracia ateniense se estruturava em torno da participação cidadã, a república romana se centrava no conceito de “controle”. Não por acaso, ao pensar em Roma, a imagem do Senado surge antes de qualquer noção de participação popular.

O Senado romano, longe de ser um órgão legislativo com membros eleitos como nos países modernos, era composto pelos chefes (“paterfamilias”) das famílias mais abastadas. A palavra “Senatus” vem de “senex”, que significa “homem velho”, fazendo do Senado, portanto, um “Conselho de Homens Velhos e Ricos de Roma”. Apesar de pouco democrático, o Senado desempenhava um papel crucial de controle sobre o poder político, especialmente dos cônsules, as autoridades máximas da República Romana. Controlava aspectos vitais da política externa, mobilizava o exército e tinha o poder de revogar atos dos cônsules, entre outras coisas.

Além disso, os romanos também deixaram um legado duradouro em termos de legislação, com seus códigos de leis influenciando até hoje o direito ocidental, especialmente em áreas como contratos, direito de família e sucessões. O objetivo era garantir que o poder político servisse à “res publica” — a “coisa pública” — e que essa fosse preservada contra desvios e abusos.

Teoria política moderna
Avançando no tempo, um dos textos mais influentes da teoria política moderna, “O Federalista”, de Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, desempenhou um papel crucial no futuro das 13 colônias britânicas que se tornaram independentes em 1776.

Influenciadas pela obra, tais colônias decidiram se unir e se tornar os “Estados Unidos da América” em 1788 com a ratificação da constituição do país que continua vigente até hoje. Assim, o pensamento de Hamilton, Madison e Jay foi fundamental para moldar os Estados Unidos (e, em boa medida, o Brasil pós 15 de novembro de 1889), combinando a ideia de participação popular da democracia com a estrutura de controle da república.

Os autores de “O Federalista” argumentaram que um simples “governo da maioria” não seria suficiente para o bem-estar do povo. Madison, em especial, advertia que uma “democracia pura” poderia ser tão perigosa quanto o governo de um tirano, e que a moderação e o controle eram essenciais para um governo justo. Daí surge a célebre frase: “Se os homens fossem anjos, não seria necessário governo. Se os homens fossem governados por anjos, dispensar-se-iam os controles internos e externos de governo” (Madison, Paper 51). Era necessário, portanto, um sistema de divisão de poderes e de freios e contrapesos que evitasse tanto a tirania de um líder quanto a tirania da maioria.

Ainda, as eleições de representantes, mais do que uma necessidade prática para um país de grandes dimensões, eram vistas como um mecanismo para “filtrar” os pontos de vista caóticos do povo e descobrir os “verdadeiros interesses do país” (Madison, Paper 10). Além disso, incentivava que pessoas mais técnicas, patriotas, honestas e, consequentemente, mais bem capacitadas para lidar com questões-chave como defesa e finanças públicas assumissem os rumos do país. Afinal, se mostraria “difícil para os candidatos sem mérito” obter sufrágios suficientes para eleição (Madison, Paper 10).

Por isso, quando celebramos a República, não celebramos apenas um sistema onde o povo escolhe seus líderes. Honramos também uma estrutura de equilíbrio de poder, onde a moderação, o dever cívico e o controle institucional se somam à participação popular para construir um governo “do povo, pelo povo e para o povo”, como disse Abraham Lincoln. Entretanto, esse modelo não é perfeito e enfrenta desafios contemporâneos, especialmente com a crescente desconfiança das massas em relação às instituições, dilema muito explorado por diversos líderes antissistema da atualidade.

Assim, ao lembrar o 15 de novembro, é essencial refletir sobre os valores da república e da democracia, entendendo que, para além de escolher nossos representantes, temos um papel em garantir que o poder seja exercido em benefício da sociedade como um todo, e não em favor de poucos.

Bruno de Almeida Passadore
é doutor em Teoria do Estado pela Faculdade de Direito da USP em coorientação com a Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Universidade de Bolonha, na Itália. Mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP. Defensor público auxiliar do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Paraná.

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