B) O STF e os mandados de injunção n° 670, 708 e 712
Nesse quadro de grave insegurança, ante a interpretação majoritária de ineficácia do direito de greve enquanto não editada a lei regulamentadora (bem ainda diante da admissão, como lícita, do desconto da remuneração dos dias parados durante a realização do movimento grevista), diversos sindicatos de servidores públicos propuseram mandado de injunção, presente o pressuposto de ausência da norma regulamentadora (lei específica) dos termos e limites para o exercício do direito de greve pelos servidores públicos, a inviabilizar o exercício de um direito constitucionalmente garantido.
Foi nesse contexto que o STF decidiu que, enquanto não for elaborada a lei específica, os servidores públicos poderão exercer o direito de greve, nos termos e limites tomados de empréstimo, por analogia, da Lei nº 7.783/89, que regula a greve no âmbito dos trabalhadores em geral.
Surpreendeu, porém, a extensão dos efeitos da decisão para todos os servidores públicos do Brasil, e não apenas para os servidores públicos representados pelos sindicatos que fizeram parte dos respectivos e já mencionados processos (vencidos, nesse ponto, os Ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski). O STF adotou, então, a “teoria concretista geral” dos efeitos das decisões em mandado de injunção. É dizer: exerceu um papel regulamentador genérico, um papel normativo. Essa posição surpreendeu porque um dos principais óbices que a própria Corte levantava (em sua antiga composição) para a adoção da “teoria concretista” era o da separação de poderes. A função normativa primária do Poder Legislativo seria usurpada.
Outro aspecto que chamou atenção nessa decisão do STF é mais sutil, tanto que passou despercebido à maioria dos analistas, e se refere mais especificamente ao objeto do presente artigo. Tratam-se das motivações psicológicas e ideológicas a ela subjacentes. Em todos os votos, os Ministros ressaltaram a importância de dar efetividade aos comandos constitucionais, sendo inconcebível que, por inércia do legislador, os servidores públicos ficassem privados do exercício de um legítimo direito assegurado na Constituição. Contundo, tais votos revelaram mesmo uma preocupação em estabelecer (em caráter geral) os limites ao exercício do direito de greve pelos servidores públicos. Confira-se trecho de declaração do então Ministro Eros Grau, prestada ao jornal Folha de São Paulo e publicada na edição de 26/10/2007: “A virtude dessa decisão é que agora toda e qualquer paralisação de atividade no serviço público está sujeita a um limite”. Observe-se bem: a imposição dos limites foi colocada como “a virtude” da decisão. Não a garantia do exercício de um direito constitucional frustrado pela ausência de norma regulamentadora. Não. A sua grande virtude foi a sujeição da greve dos servidores públicos a um limite.
Em outras palavras: o STF valeu-se do mandado de injunção não propriamente para assegurar a efetividade do direito constitucional de greve dos servidores públicos. Em boa verdade, o que o STF fez foi valer-se de mandados de injunção (impetrados por servidores públicos organizados em sindicatos) para estabelecer uma regulamentação geral – substitutiva da regulamentação específica que deve ser elaborada pelo Congresso Nacional – na perspectiva limitadora do seu exercício. Isso para atender ao que a Suprema Corte indicou como sendo um anseio da sociedade.
Esse é um típico exemplo de como as motivações de determinadas decisões judiciais só podem ser realmente encontradas numa contextualização bem mais ampla do que nas fundamentações formalmente apresentadas. E de como mecanismos processuais podem ser utilizados, ainda que involuntariamente ou não deliberadamente, para o alcance de finalidades inteiramente distintas daquelas para as quais originalmente se destinam.
Talvez essa motivação ideológica conservadora esteja na raiz das vertentes hermenêuticas que, mesmo após a decisão do STF nos referidos mandados de injunção, negam efetividade ao direito de greve dos servidores públicos. É o que abordaremos na próxima semana, na sequência dos textos sobre a difícil concretização do direito de greve dos servidores públicos.
Fonte: Infonet