O principal fator a ser superado para discutir uma mudança no sistema de polícias no Brasil é o corporativismo das corporações envolvidas, principalmente a Polícia Civil e a Polícia Militar. A opinião foi compartilhada por deputados e especialistas, nesta segunda-feira (9), em audiência promovida pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados.
Para Luis Flávio Sapori, que foi secretário-adjunto de Segurança Pública em Minas Gerais entre 2003 e 2007, e tentou implantar uma integração entre as polícias do estado, o sistema atual é ineficaz, e o debate para a mudança está viciado por interesses corporativos. “É um problema institucional essa forma como definimos que metade do trabalho é feito por uma polícia e metade por outra. Na prática, isso não funciona porque as corporações não se complementam; há disputas de status, poder e salários”, disse.
A maior crítica veio do deputado Major Olimpio (PDT-SP), que contestou a atuação da bancada da segurança pública porque vários deputados teriam afirmado que o tema vai desunir seus integrantes, que são em sua maioria delegados e oficiais da Polícia Militar. “Dizem assim: ‘não vamos votar nossos projetinhos’, mas e o projetão do Brasil, que é a mudança real do modelo de polícia?”, indagou.
Olimpio listou os temas a serem debatidos, a começar pelo modelo de polícia, passando pela gestão de segurança, financiamento, a unificação das polícias, desmilitarização da PM, eficiência das investigações. “Claro que também temos problemas no Judiciário, que é lento, no sistema prisional, que não recupera, porém nós vamos ficar sem analisar o papel da polícia? Eu ouvi hoje dos especialistas que o tema é difícil, porém eles querem debater, e o Congresso precisa realizar essa discussão”, declarou o parlamentar.
“Esse é um debate que precisa ser feito”, concordou Almir Laureano, da Rede Desarma Brasil. “A polícia tem estas duas dimensões, PM e Civil, que nos orgulham, mas nesses debates andam em uma vala escura apontando defeitos e podridões”, argumentou.
A CCJ fez anteriormente reuniões em 11 estados sobre reformas no organograma da segurança pública, e os ânimos chegaram a ficar exaltados, especialmente em São Paulo. “Lá as tensões eram maiores, porque o momento era difícil, em que as duas polícias haviam chegado a trocar tiros”, lembrou o relator, na comissão, de propostas que buscam reorganizar a estrutura policial no País (PEC 430/09 e apensadas), deputado Raul Jungmann (PPS-PE).
Ciclo completo
O deputado Subtenente Gonzaga (PDT-MG) é autor da PEC 431/14, do deputado Subtenente Gonzaga, que expande as atribuições de todas as polícias brasileiras para incluir a investigação e a oferta de provas ao Ministério Público, instituindo o chamado ciclo completo das polícias.
Na avaliação do parlamentar, a ineficiência da estrutura atual fica clara no aumento de crimes, principalmente homicídios. Gonzaga acredita que é preciso minimizar as informações que são perdidas entre a prisão feita pela Polícia Militar e o inquérito a ser feito pela Polícia Civil. “Os policiais militares não podem colocar nada no papel, sob pena de serem processados por usurpação de função. É uma perda de tempo, um retrabalho e isso precisa ser mudado”, defendeu.
Tramitam na Câmara dez propostas de emenda à Constituição que tratam de modificar a maneira como se organizam as forças de segurança no Brasil. Todas estão apensadas à PEC 430/09, do deputado Celso Russomanno (PRB-SP), que prevê a unificação das polícias civil e militar, mas a proposta que tem apoio de várias associações de policiais, principalmente da PM, é a PEC 431/14.
Bom senso
Conforme Bruno Langeani, coordenador do Instituto Sou da Paz de São Paulo, foi um gesto de inteligência da CCJ não deixar a relatoria das propostas com um representante da PM ou da Polícia Civil. O instituto elaborou um estudo sobre polícias que fizeram reformas recentemente e quais os modelos mais adotados mundo afora. “Há uma crise real: hoje coronéis da PM procuram o Sou da Paz para ter acesso aos dados sobre investigações de homicídios, por exemplo, para saber sobre dados de intenção e tipos de crimes porque as polícias não compartilham dados, e quem perde são os cidadãos”, comentou Langeani.
Para Arnaldo Eugênio Neto da Silva, representante do Movimento Nacional de Direitos Humanos, o debate central deve ser a democratização da atuação policial, com controle externo das corporações e ouvidorias realmente abertas a críticas. “Nossa visão não é a de que toda a polícia tem defeitos, mas precisamos lidar com o fato de que esse sistema não está dando resposta à população”, sustentou.
Fonte: Agência Câmara