Projeto visa sustar Resolução da escolta de presos

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PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO Nº 71, DE 2009

Susta a Resolução nº SSP-231, de 01-09-2009

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO DECRETA:

Artigo 1º – Fica sustada, nos termos do inciso IX do artigo 20 da Constituição do Estado, a Resolução nº SSP-231, de 01 de setembro de 2009, que regulamenta as atividades de escolta de presos.

Artigo 2º – Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA

A Constituição Federal define com clareza a competência de cada órgão responsável pela segurança pública, estabelecendo que incumbe às Polícias Civis as funções de polícia judiciária e a apuração das infrações penais, exceto as militares, nos termos do artigo 144, § 4º.

A Carta Magna fixa, também, a competência das Polícias Militares, no § 5º do mesmo artigo 144, estabelecendo que a elas cabem as funções de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, tarefas estas que são corroboradas por toda a legislação infraconstitucional.

Enquanto não se promulga a lei que disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades, conforme dispõe o § 7º do referido artigo, continuam em vigor os dispositivos legais que não contrariam a Carta Magna.

Segundo o saudoso administrativista Hely Lopes Meirelles, ?Polícia Judiciária é a que o Estado exerce sobre as pessoas sujeitas à sua jurisdição, através do Poder Judiciário e de órgãos auxiliares, para a repressão de crimes e contravenções tipificados nas leis penais. Essa polícia é eminentemente repressiva, pois só atua após o cometimento do delito e visa, precipuamente, a identificação do criminoso e de sua condenação penal? (Direito administrativo da ordem pública, Álvaro Lazzarini et. al., 2ª ed. ? Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 153).

De outra parte o ilustre administrativista José Cretella Júnior afirma que ?A polícia judiciária investiga os delitos que a polícia administrativa não conseguiu evitar que se cometessem, reúne as respectivas provas e entrega os autores aos tribunais encarregados pela lei de puni-los. A polícia judiciária é também denominada repressiva, nome que merece reparo porque seus agentes não reprimem os delitos, mas agem como auxiliares do poder judiciário nesse mister? (Curso de direito administrativo, José Cretella Júnior, 11ª ed. ? Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 535).

Poderiam ser citados vários autores que lecionam no mesmo sentido, todos eles sustentando, em linhas gerais, sem dúvida alguma, competir à polícia judiciária o exercício das atividades que digam respeito ao indivíduo objeto de investigação ou a figura do preso após sua formal condução às Delegacias de Polícia.

Assim, quando se aborda questões referentes à escolta de presos, há de se ter sempre presente o encerramento da atuação da Polícia Militar dentro do ciclo de polícia, enquanto que persiste a atividade de polícia judiciária, inerente à Polícia Civil, no âmbito estadual e à Polícia Federal, no âmbito da União, conforme preconiza o artigo 144, § 1º, IV da Carta Política, tanto na fase investigatória como na processual, na qual o preso já está diretamente à disposição do Poder Judiciário, por força da ação penal.

Todas as atividades de polícia, que digam respeito ao indivíduo objeto de investigações ou a figura do preso após sua entrega nas Delegacias de Polícia, são de competência da polícia judiciária. E competência, como conjunto de atribuições que a lei estabelece para determinado caso, atividade ou função, ‘sendo um requisito de ordem pública, é intransferível e improrrogável pela vontade dos interessados’ (Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro – 15ª Ed., p. 128).

O serviço de escolta de presos somente passou a ser executado pela Polícia Militar a título de colaboração com as Polícias Civil e Federal, haja vista as inúmeras dificuldades destes órgãos para cumprimento dessa tarefa.

No entanto, com o passar dos anos, paulatinamente, a Corporação passou de mera colaboradora à grande responsável pela escolta de presos, levando muitos, em especial as autoridades públicas a, equivocadamente, afirmarem que esse serviço é de competência da Polícia Militar.

Deve-se salientar, ainda, que na esfera da Justiça Federal a escolta e a guarda de presos são executadas pela Polícia Federal, isto é, a polícia judiciária da União, mesmo porque não existe uma ?Polícia Militar Federal? e, considerando este fato, desde há muito tempo, a Polícia Militar vêm se debatendo com a necessidade de se excluírem do rol das atribuições que lhe foram cometidas, as de escolta e guarda de presos e presídios.

Indiscutível o fato de que são funções que, infelizmente, acabam por vir em prejuízo da missão constitucional de polícia judiciária e de apuração de infrações penais, como também em prejuízo da missão constitucional de polícia ostensiva e preservação da ordem pública.

Não se trata, pois, somente de mera vontade, ou de pretensa omissão, em cumprir as missões confiadas, mas sim, de análise coerente e lógica, respaldada na legislação vigente, afirmando e reafirmando o entendimento de que escoltas de presos não é missão afeta nem à Polícia Militar, nem à Polícia Civil do Estado.

Portanto, querer dar interpretação diversa aos dispositivos constitucionais citados, apresenta-se tão fora de propósito quanto pretender que um órgão policial, para executar sua atribuição, no caso movimentar presos, necessite socorrer-se de outro órgão policial.

Ademais, verifica-se, no âmbito da Secretaria da Administração Penitenciária, a existência de dispositivos legais que tratam do mesmo assunto, a começar pela Lei Complementar nº 498, de 29-12-1986, que instituiu a série de classes de Agente de Segurança Penitenciária (ASP) e que em seu artigo 1º estabelece o seguinte:

?Artigo 1º – Fica instituída (…) a série de classes de Agente de Segurança Penitenciária (…) para o desempenho de atividades de vigilância, manutenção da segurança, disciplina e movimentação dos sentenciados internos em presídios sob a administração da Coordenadoria dos Estabelecimentos Penitenciários do Estado.? (grifei).

A Lei Complementar nº 722, de 01-07-1993, que dispõe sobre os vencimentos e vantagens pecuniárias dos integrantes da carreira de Agente de Segurança Penitenciária, estabelece, em seu artigo 2º, o percebimento por esses funcionários da gratificação pela sujeição ao Regime Especial de Trabalho Policial de que trata o artigo 44 da Lei Complementar nº 207, de 05-01-1979 (Lei Orgânica da Polícia), que se caracteriza:

1. pela prestação de serviço em jornada de, no mínimo 40 (quarenta) horas semanais de trabalho, em condições precárias de segurança;

2. pelo cumprimento de horário irregular, sujeito a plantões noturnos e chamados a qualquer hora;

3. pela proibição do exercício de outras atividades remuneradas, exceto as relativas ao ensino e a difusão cultural.

Isto demonstra o implícito reconhecimento do Estado acerca da importância de se atribuir aos ASP, o necessário ?poder de polícia? e, conseqüentemente, a exclusividade de prestação de serviço ao Estado, aliás, nem poderia ser diferente, eis que de longa data existe uma mobilização, em todo Brasil, visando a criação da denominada polícia penitenciária, ou polícia penal, ou polícia prisional.

Nesse sentido, ainda que em alguns locais, a ?polícia penitenciária? tenha caráter institucionalmente virtual, ela existe, e é ela quem realiza as muitas das ações que integram a execução penal. Ex-surge daí a necessidade de reconhecimento dessa ?polícia penal? trazendo-lhe respeito e dignidade profissional, principalmente quando consideramos que a Polícia Civil (polícia judiciária) e a Polícia Militar (polícia ostensiva) não se acham responsáveis pelo desenvolvimento de atividades que entendem, com muita razão, ser inerentes às funções de agentes e guardas penitenciários.

Oportuno lembrar que em nosso Estado é sempre recorrente a discussão em torno de quem deve, ou não, realizar as escoltas de presos para presídios, fóruns ou hospitais: se a Polícia Civil, ou se a Polícia Militar, resultando na expedição de resoluções, como no presente caso, o que sempre gera antagonismos entre as Instituições policiais.

Ora se pretende que não seja a Polícia Militar, sempre empenhada em melhorar a sensação de segurança da comunidade, por meio da visibilidade, da acessibilidade e da postura atenta dos policiais em serviço, além do controle da criminalidade, mediante a prevenção e o combate ao crime organizado. Ora se pretende que não seja a Polícia Civil, que deve, e com toda a razão, canalizar seus esforços na investigação criminal.

Nesse contexto verifica-se, também, a não tão recente edição da Lei Complementar nº 898, de 13 de julho de 2001, que instituiu, no Quadro da Secretaria da Administração Penitenciária, a classe de Agente de Escolta e Vigilância Penitenciária (AEVP), em cujo artigo 1º vê-se estabelecido o seguinte:
?Artigo 1º – Fica instituída, no Quadro da Secretaria da Administração Penitenciária, a classe de Agente de Escolta e Vigilância Penitenciária, composta por 6 níveis de vencimentos, identificados por algarismos romanos de I a VI, para o desempenho de atividades de escolta e custódia de presos, em movimentações externas, e a guarda das unidades prisionais, visando evitar fuga ou arrebatamento de presos.? (grifei).

Fica evidenciado, diante a legislação citada, que inicialmente a Polícia Civil, e posteriormente a Polícia Militar, foram sendo consideravelmente oneradas nas suas missões com o exercício de atividades relacionadas com a escolta de presos que, na verdade, são encargos de outra estrutura do Estado, ou seja, da Secretaria da Administração Penitenciária, segundo as atribuições legais vigentes.

E não se afirme que os ?presos provisórios?, recolhidos em cadeias ativas e cadeias de trânsito, sob a responsabilidade da Secretaria da Segurança Pública, devam ser movimentados pelos servidores destas, pois a lógica está a clamar que, se existem servidores treinados para a realização de escoltas de presos, são estes que devem promover as necessárias movimentações dos presos para comparecimento em juízo, como também para atendimento médico, psicológico, odontológico ou hospitalar, e ainda nas remoções entre unidades prisionais.

Nesse sentido, não pode ser rechaçado o entendimento de que a Resolução SSP-231, de 01-09-2009, extrapola a competência legal da autoridade que o expediu pois, segundo o ensinamento sempre oportuno de Hely Lopes Meirelles, ?as resoluções, normativas ou individuais, são sempre atos inferiores ao regulamento e ao regimento, não podendo inová-los ou contrariá-los, mas unicamente complementá-los e explicá-los? (Direito Administrativo Brasileiro, 14ª ed, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1989, p. 159).

Oportuno trazer à colação, ainda, o artigo único da Disposição Transitória, tanto do Decreto nº 48.653, de 12-05-2004, quanto do Decreto nº 48.658, de 13-05-2004, que estabeleceram atribuições para a Polícia Militar, na seguinte conformidade:

?Artigo único ? Até a efetiva implantação do Núcleo de Escolta e Vigilância Penitenciária e sua Equipe de Escolta e Vigilância, do Estabelecimento Penal de que trata este(s) Decreto(s), os serviços de escolta e custódia de presos em movimentações externas e os de guarda e vigilância das muralhas, alambrados e guaritas serão prestados pela Polícia Militar do Estado de São Paulo.? (grifei).

Ficou evidente, no texto transcrito, o entendimento de que escoltas e custódia de presos não é missão afeta à Polícia Militar, e que, portanto, seriam atribuições temporárias, ainda que, infelizmente, acabassem por vir em prejuízo de sua missão constitucional de polícia ostensiva e preservação da ordem pública. Neste aspecto, o auxílio fornecido pela Polícia Militar seria temporário, até a efetiva estruturação do órgão indicado a ser responsável por tal mister.

Ademais, conforme consta dos editos mencionados, tal atribuição está disciplinada na Disposição Transitória, o que revela a percepção e consciência do Poder Executivo quanto a ausência de um órgão estruturado, tal como o é a Polícia Militar, em continuar o presente serviço, destacando a necessidade de não ocorrer a quebra de continuidade do serviço, pois da mesma forma como o policiamento ostensivo é de suma importância, também o é o serviço de vigilância, escolta e guarda de presos.

Ocorre, por outro lado, que o Decreto nº 48.653/04, foi expressamente revogado pelo Decreto nº 49.577, de 04-05-2005, que reorganizou, na Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), os Centros de Detenção Provisória que especifica, ficando evidente que a PM não deveria realizar as missões determinadas pelo artigo único de um decreto revogado.

Cabe ainda registrar que a SAP tem um quadro de Agentes de Escolta e Vigilância Penitenciária – AEVP treinado e em atividade com milhares de servidores, aptos a serem, em face de um adequado planejamento, empregados nas atribuições para as quais seus cargos foram criados pela Administração Pública.

Além disso, tanto o titular SSP, quanto o titular da SAP podem, muito bem, assessorar o Chefe do Poder Executivo, e dele obter autorização para a celebração de um Termo de Cooperação, aliás como já ocorreu em época não tão distante, de maneira que a Polícia Militar possa auxiliar na seleção e na formação de AEVP, bem como realizar o treinamento e a reciclagem desses agentes, cuja formação não ultrapassa cento e vinte dias, diferentemente do que ocorre com a formação do policial militar que, por suas peculiaridades, envolve um período de tempo muito maior.

Portanto, havendo vontade só há um caminho, havendo boa-vontade haverá vários caminhos. É perfeitamente possível ao Estado capacitar a Secretaria da Administração Penitenciária para consecução de seu mister, ampliando seu efetivo, principalmente quando se sabe que hoje a SAP conta, nas mais de 140 unidades prisionais, com cerca de 30 mil servidores, sendo que, na área específica de segurança, que abrange as categorias de Agente de Segurança Penitenciária e Agente de Escolta e Vigilância Penitenciária são 25 mil em todo o Estado, contra uma população carcerária que ultrapassa a casa dos 130 mil.

Ademais, a hipótese de aumento de efetivo da Polícia Militar, para cumprimento de suas missões passa, necessariamente, pelo crivo do Estado-Maior do Exército, por intermédio do Comando de Operações Terrestres ? COTER, que exerce o controle e a coordenação das polícias militares, nos termos da legislação federal vigente, abrangendo os aspectos de organização, efetivos, material bélico, etc., na conformidade da política traçada pelo Exército.

Diante do exposto, afigura-se muito simplista a afirmação que considera ?o imperativo de máxima eficiência da segurança durante os necessários deslocamentos de presos; a necessidade de racionalizar o emprego dos recursos humanos e materiais dos órgãos que lhe são subordinados; e, ainda, a necessidade de priorizar a atividade de polícia judiciária, afeta com exclusividade à Polícia Civil?, utilizada como preâmbulo da Resolução SSP-231, de 01-09-2009.

Pois, no mesmo sentido, pode-se afirmar ?a necessidade de priorizar a atividade de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública, afeta com exclusividade à Polícia Militar?, com a certeza de que a sociedade há sempre de preferir uma intensa prevenção, que impeça ou minimize a ocorrência de delitos, do que a priorização de atividades de polícia judiciária para esclarecer o crime que não pode ser evitado.

Feitas estas considerações propomos, por intermédio do presente projeto de decreto legislativo, a sustação dos efeitos da Resolução SSP-231, de 01-09-2009 firmada pelo senhor Secretário de Estado da Segurança Pública.

Sala das Sessões, em 18-9-2009
a) Olímpio Gomes

Fonte: Alesp
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